segunda-feira, 30 de abril de 2012

a árvore podre.

(e agora implorando pra imprimir e vir jogar na minha cara.)

"... e cuide de papai e mamãe. amém."
a menininha terminou de rezar, agarrou o ursinho de pelúcia e quase que instantaneamente dormiu.

então ela logo acordou, levantou, saiu do quarto e desceu as escadas, procurando seu pai. não o achou em lugar nenhum da casa. pensou que talvez ele estivesse lá fora, fumando. abriu a porta de casa e viu que já era dia. viu que ao invés de rua, vizinhos, havia só um campo verde sem fim. e lá longe, uma árvore. e viu alguém de pé, ao lado da árvore. então, a menininha resolveu andar até lá.
quando ela foi chegando mais perto da árvore, viu que era seu pai. e também viu que a árvore parecia podre. cheirava forte. era murcha, preta, encurvada. não tinha folhas. só umas frutinhas também escuras, também podres. então ela gritou,
- pai! que lugar é esse ? que árvore é essa ?

ele não respondeu. só olhou-a, levantou o braço até os galhos, pegou uma frutinha da árvore e comeu.
- pai! essa árvore está podre, essas frutas estão podres!
- eu sei, filha.
- sai daí, pai. vem aqui comigo. eu não consigo ir até aí. o cheiro está muito forte.
- eu sei.

a menina parou de andar. viu que o pai parecia cansado. talvez até meio doente.
- para de comer essas frutas, pai. elas vão te deixar doente.
- eu sei que me deixam doente. mas eu não vou parar.
- por que não, pai ?
- é complicado, filha.
- essa árvore te faz mal, esse lugar te faz mal. volta pra casa junto comigo, pai.

ela estava ficando sem ar. o cheiro era nauseante. aquela visão do pai cansado do lado daquela árvore velha e podre, também era nauseante. mas ela queria tirar o pai dali. queria voltar pra casa com ele, pra que o pai voltasse a ser saudável e feliz. porque ele não era feliz se alimentando daquela árvore. então ela prendeu a respiração e foi chegando mais perto. e o pai dela continuava comendo as frutas. e ficava cada vez mais pálido, macilento.
- não faz isso, pai!

e quando falou, a menininha respirou o ar podre e se sentiu tonta. começou a chorar.
- vem aqui comigo, pai! lá em casa tem comida, não precisa ficar pegando essas frutas. eu estou com medo, pai!
- não vou voltar mais pra casa. eu agora vou ficar aqui. se você quiser vir me ver, vai ter que aguentar a podridão da árvore.

então a menina controlou a vontade de desmaiar, aguentou o cheiro forte, engoliu o choro e foi caminhando em direção ao pai. quando chegou ao seu lado, a menininha quis abraçá-lo. ele a empurrou de leve e ofereceu uma daquelas frutas.
- se for pra ficar aqui comigo, tem que comer uma delas.
- mas eu não quero, pai.
- então vai embora.
- eu quero ficar com você, pai, não me manda embora!

a menininha voltou a chorar. abraçou as pernas do pai e quase que gemendo, replicou,
- vamos embora, pai. por favor...
- eu não saio mais daqui. ou come ou vai embora.

então ela resolveu comer. chorando, enjoada, agarrada às pernas do pai, quase desmaiando, ela fechou os olhos, abriu a boca e deixou-o colocar a fruta podre em sua boca.
amargo. terrivelmente amargo e frio. se a menininha já estava nauseada, seu mal-estar triplicou. ela mastigou a fruta e seu suco foi descendo pela garganta. ela não conseguia mais respirar.
- pai, eu não estou bem...
- ou engole ou vai embora.
- mas eu quero ficar junto com você, pai, pra sempre.
- ou aprende a aguentar ou vai embora.
- mas me faz mal. toda essa árvore podre me faz mal. e também te faz mal, pai.
- eu sei.
- eu amo você, papai. eu quero sair daqui, mas não quero ficar longe de você.
- eu também amo você. mas daqui eu não saio.

a menininha não aguentou. deixou a náusea tomar conta dela e desmaiou, caindo aos pés do pai. que olhou-a desacordada e só suspirou. tirou os pés debaixo dela e pegou mais uma fruta pra comer.
- eu não posso fazer nada se a árvore te fez mal, minha filha. é só... complicado.

mastigou e ficou terrivelmente esquálido e doente.


então a menininha acordou assustada e começou a chorar. ouviu passos apressados subindo a escada e logo o pai abria a porta.
- que foi, filha ?
- tive um pesadelo, pai. estou com medo!

o pai sentou-se ao lado dela e a abraçou.
- calma, minha filha. eu estou aqui. foi só um sonho.
- você estava doente, pai, do lado de uma árvore podre com as frutas podres e você comia e ficava feio, triste, distante de mim e então você me deu uma das frutas pra comer e eu desmaiei. e você não fez nada, pai.
- foi só um sonho, filha. você sabe que eu nunca faria nada que te fizesse mal. foi só um pesadelo.
- dorme aqui, não me deixa sozinha, fica comigo, pai.
- fico. pra sempre.





um final feliz no papel pra tentar curar minha decepção. 
não mais sobre o amor empírico, mas sobre aquele que nasce junto com a gente. nasce com a gente  porque é daqueles que justamente fazem-nos nascer. sobre o amor inato e incondicional que é decepcionado.
e agora um pedido.
para os pais que leram isso: jamais decepcionem seus filhos.

3 comentários:

Mariana Cotrim disse...

(parece que você lê mentes.) o amor inato é o mais complexo e cheio de curvas. as vezes a decepção parece tão incrustada no sentimento que fica difícil...

Ilzy Sousa disse...

Eu costumava ter um senhor altão que me salvava dos pesadelos simplesmente não indo embora. Agora, quem tenta salvá-lo da árvore podre dele sou eu.

Curioso como tuas palavras cravaram fundo na minha própria história. Obrigada por descrever o que eu nunca soube ♥

Marcelo R. Rezende disse...

Que lindo lindo lindo. Dá vontade de grudar a guria pelos braços e tirá-la daí. Que o pai é macaco velho e sabe o que faz - ou deveria.

Eu entendo muito bem sobre decepções, vinda dos meus pais, então. Mas eu sempre as curti, sério. A melhor sensação, depois da dor, é claro, é saber das coisas, ser desperto pra realidade.


Beijo.