quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

the saga.

sabe aquela frase ? "os olhos são a janela da alma" ?
não era o caso dela.
ou talvez até fosse.
que seja; os olhos de um castanho quase preto eram uma representação real de um poço fundo e escuro: encare-os e caia no mais irreprimível abismo.
que talvez fizesse transparecer a falta de alma daquela moça.

"larga desta vida. seja só minha.", foi o que ele tinha lhe dito a quase três semanas atrás. mentiroso. lágrimas lhe caiam, destoando com o sorriso que trazia no rosto, transformando toda aquela angústia reprimida em falsa diversão. - falsas diversões... andava tendo uma overdose delas.


não era pela questão material; o dinheiro que fosse à merda. se amor realmente existisse, era o que sentia por ele, ela tinha certeza.
é. a vida e suas surpresinhas. aquela prostituta suja e cruel, interesseira e perigosa, amava alguém. e alguém que definitivamente não precisava dela. e ali, no meio daquele fast-food, uma moça ruiva, descabelada, com a maquiagem borrada e olheiras do tamanho do mundo, vestindo uma saia curta rosa e corset azul-bebê, de meia-calça branca e sapatos azul-marinho saltos 15, às 08:46am, voltando de uma de suas noitadas/trabalho, junto de seu café puro tamanho médio, assistindo a indecisão da chuva se caía ou não, percebia a tamanha saudade que tinha daquele homem que a usou e jogou fora. e quando ele a deixou, tudo bem, ela ficou de luto por ela mesma, as lágrimas tinham gosto de orgulho e narcisismo, e ela saiu por aí, linda e tóxica, enfeitiçando uma horda de ricaços idiotas e lucrando um bom dinheiro, conseguindo um bom punhado de clientes, só pra consolar o imenso ego ferido. mas depois de ter sentido aqueles braços gelados em volta dela pela última vez, a sua falta de reação, incapaz de o envolver também num derradeiro abraço, revelou um estado de choque fora de hora, que a fazia se sentir desprotegida e amedrontada, temendo o futuro próximo sem ele ao seu lado, comemorando enfim, o enterro daquele relacionamento intenso e conturbado.

mas foi bom achar que algum dia ela seria feliz para sempre. foi bom ter tido sentimentos humanamente normais, vivenciar momentos tipicamente românticos. morrer de ciúmes, conhecer seus segredos, rir de suas esquisitices, ficar ouvindo seu silêncio, achar que morreria se ficasse um dia sem o ver, irritar-se quando ele dizia pra ela falar mais baixo ou pra não vestir roupas vulgares demais. foi bom sentir-se amada, e não somente desejada, mesmo que fosse puro fingimento. foi bom importar-se com ele pelo simples fato de o fazer, pelo simples fato de preocupar-se com ele e ponto. foi bom sentir-se protegida, mesmo que por instantes, mesmo que depois, quando ela mesma tivesse que se proteger, lembrar disso tudo fizesse doer muito, indubitavelmente.

ela estava é cansada daquela máscara.
ela estava é com nojo daquela mania de autosuficiência que a perseguia.
ela estava é morrendo de um bolo de sentimentos que nunca havia experimentado antes.

raiva, orgulho ferido, amor, saudade, desconfiança, solidão, abandono, vontade de seguir em frente mas aquele afeto todo fazendo-a permanecer no mesmo lugar.

e sozinha, sempre sozinha.
sem ajuda, sem consolo, com promessas quebradas, sozinha e desesperada.
sem sonhos, sem vitória, com culpa, sozinha e abandonada.
sem ar, sem chão, com dor, sozinha e acabada.

e mesmo assim, de pé. mesmo que não quisesse. mesmo que não pudesse prever se o estaria no minuto seguinte. mesmo que se isso a machucasse de uma forma fora do imaginável. ela continuava ali, linda e poderosa, não deixando transparecer nunca o fato de possuir um coração. apaixonado. e em pedaços.

só que o pior, era a falta de esperança. coragem nunca lhe faltou, muito menos determinação; se quisesse, ela correria atrás e não arredaria o pé até conseguir o que queria, até ter de volta o homem que amava. só que faltava esperança; ela não acreditava em dias melhores. ela não acreditava em amores verdadeiros vencendo todas as barreiras impostas. ela não acreditava em contos de fada. os tempos de amores não-correspondidos já se foram, o sentimento sem reciprocidade será pior se o for demonstrado. ou talvez até houvesse um resquício de esperança e toda aquela falta de vontade de correr atrás de sua felicidade era o pouco orgulho se fazendo presente; não, ela não se humilharia, não diante dele, não por ele. mesmo que ele negue agora, ela andou vagando pelo interior daquele homem altivo e aparentemente sem sentimentos; ela conseguiu sugar alguns indícios de seu caráter, e não se deixar enganar só por aquela aparência egoísta e presunçosa. e sabendo que um dia já havia ganhado um olhar cheio de carinho e ternura dele,  ela não aguentaria receber um tratamento cortante e cruel deste agora. ela não queria presenciar na pele toda a frieza que ele sentia por quem não o interessava, por quem não o fazia ganhar nada.

e ali, no meio daquele restaurante, com o dia somente começando, a vagabunda mais irresistível e maravilhosa da cidade, temia a postura de um único homem diante dela; talvez o mais frio que existia, talvez o mais adorável de todos.

"já disse que o meu irmão nunca te mereceu ?", sussurrou, de repente, uma voz grave no seu ouvido.
"então, pare de se incomodar; eu não estou mais com o James, Alexander.", respondeu, virando-se e contemplando uma versão um pouco mais velha e de cabelos castanhos de seu querido amor.
"e por qual motivo achas que eu me encontro aqui, neste fast-food imundo, a não ser ver como você está, minha querida. sofre por ele ?", disse ele, sentando-se ao seu lado e abrindo um sorriso pretensioso.
"pare de fingir que se importa comigo. vá embora. de Goerings eu já estou pela tampa.", retrucou, sem paciência pra nada, como de costume.
"não culpe a família, minha cara, só pelo comportamento de um de seus integrantes mais infames; meu irmão nunca te mereceu, como já disse. agora, eu posso te mostrar o lado gentil e carinhoso dos Goerings, minha querida. e também o lado generoso, se é que me entende.", disse Alexander, exagerando na conta de pretensão.

ela precisava de dinheiro.
ela precisava de consolo.
ela precisava de vingança.
e quem melhor do que Alexander Goering para ajuda-la nisto ?
não, mais ninguém.
quem se importa com sentimentos nobres e sinceros, como amor e saudade ?
o mundo é cruel e nunca para quando você se encontra sem ar.
e como se levantar, exatamente no pique deste planeta perverso ? jogando sob suas regras, dançando conforme sua música; adotando indiferença, cinismo e falsidade na sua rotina.
ela riu por dentro; como se isso fosse difícil pra ela.

"podes mesmo ? olha que eu sou exigente. compensará todo o incômodo de seu irmão, Alexander ?", montando a cara mais calculista que tinha, junto daquele sorriso convincente e quase inocente, fixando aqueles olhos quase pretos naquela feição presunçosa e cafajeste que havia ali em sua frente.
"estás duvidando de mim, pequenina ? não faças mais isto; deixe-me te levar daqui, te curar, te venerar, te fazer feliz, como o incapaz do James não o pôde."

e ela foi.
não se importando com mais nada.

pois, num passado não tão distante assim, também não se importaram com ela.



vamos falar de melancolia; você só vê o desespero quando percebe que livros de ficção cheiram a peles sem perfume e a nostalgia ultrajante.

9 comentários:

Mariana Cotrim disse...

eu tenho fascínio por mulheres desesperadas e machucadas, FPODKASPOF, com essa não podia ser diferente, ainda mais com esse enredo.
perfeito!
faz até a vingança parecer viável.

Mariana Cotrim disse...

ALIÁS, voce tem twitter ou algo do tipo? me identifico muito com voce, menina! qualquer coisa me passa aí

H L disse...

Assim que abri teu blog me deparo com a foto de Alice Ayres, personagem do filme Closer.
Não poderia deixar de comentar sobre isso...
Ela é perfeita, não é?!
Sou apaixonada pelo filme e principalmente encantada por essa personagem!

:P
adorei o blog

Ju Fuzetto disse...

Essa mulher oca de sentimentos contrários desejava ser comum, a candura de seu carater não combinava com sua postura hostil. delicada, machucada e extremamente vulnerável. Todas amam, inclusive ela que nunca se apegou....

Adorei Vê!!! beijo enorme

Marcelo R. Rezende disse...

Eu quase não li devido o tamanho, mas você é tão boa no que escreve, que parei o rádio e li. Ainda bem.

O corpo da gente se corrompe muito facilmente, principalmente o coração. Mas no caso da sua menina, o coração foi corrompido e de forma sórdida tamanho o sofrimento dela.
Quem perdeu a esperança, perdeu-se por aí e nunca mais se acha. Não da mesma forma.


Beijo.

. disse...

''e ela foi.
não se importando com mais nada.
pois, num passado não tão distante assim, também não se importaram com ela.''

Um milhão de sensações numa só mulher, a tristeza, o desespero e a dor.
Me identifico muito com tudo isso.
O fato de o texto ser grande, não anula o fato de que vão ler, eu li, reli, releria para sentir as mesmas sensações outra vez e outra vez. Estou um turbilhão, quase explodindo, e cada palavra é como pólvora, tão devastadora, tão verdadeira...

Beijos, minha querida Veronica Hiller.

Yohana Sanfer disse...

Nossa, adoro tua escrita, teu enredo, teus contos inteligentes!
Parabens!
*continuo acomoanahndo..rs

Anônimo disse...

Somos capazes de suportar tantas coisas não é?
Mas chega uma hora que dá vontade de explodir, ou até mesmo de desistir.

Ela estava certo do que queria!

bjs

José Sousa disse...

Adorei seu post! Gosto de ler o que escrevem, pois só assim aumenta minnha sabedoria.
Tmbém gostei de seu blog. Parbéns.

Um beijo em seu coração.
Um Feliz Natal.