sexta-feira, 2 de agosto de 2013

jogo do contente.




era uma vez o Pedrinho.
ele tinha 10 anos e vivia com a mãe numa casa, com quintal;
e no meio do quintal, havia uma escada de ferro.

no meio do quintal de Pedrinho tinha uma escada de ferro, em caracol, que dava pra lugar nenhum. a escada ia até o alto e simplesmente acabava sem levar pra chão ou andar algum.

a mãe dele dizia que tinha sido o pai dele quem tinha metido a escada ali. queria reformar a casa e enfiar a escada lá no meio. mas antes disso, acabou morrendo. e a mãe de Pedrinho acabou deixando a escada lá, no meio do quintal, em memória ao marido.

não preciso dizer da imaginação de Pedrinho, crescendo com uma escada no meio do quintal - ainda mais quando Pedrinho não brincava com nenhum vizinho e quase nem saía de casa: sua mãe, espartana, arranjava meia-dúzia de motivos para que ambos não acontecessem.

assim Pedrinho, sozinho, cresceu sonhando.

às vezes achava que era um príncipe raptado, preso no mundo real, e que se fosse até o topo da escada e desse mais um passo, ao invés de cair, entraria em seu reino.

uma vez, Pedrinho viu um tal de Elvis Presley na tv, e, mais tarde, ele apareceu cantando pra Pedrinho no topo da escada. ele cantava e rebolava tanto, que a escada balançava toda e parecia que ele se desequilibraria dali. ele chamou Pedrinho até lá em cima, para cantar junto com ele. mas Pedrinho não foi.

várias  pessoas, aliás, apareciam no topo da escada quando Pedrinho brincava ali no quintal.
fadas de histórias da Disney, os Power Rangers, animais falantes, o Chapeleiro Maluco da Alice, centauros, leões assustadores, mágicos, anões, sereias, princesas, Shrek, magos, bruxas, elfos, seu pai, crianças, muita gente, todo o tipo de gente, que sempre o chamavam até ali, e Pedrinho, mesmo tentado, não ia.
tinha medo.
mas se maravilhava com todos.
conversava com eles e acabaram virando todos amigos.
morria de vontade de ir até o topo da escada pra encontrar com todos eles.
aquelas aparições só reforçavam o sonho de Pedrinho de que a escada dava pro seu reino encantado.
Pedrinho então, príncipe raptado, resolveu ser capitão de um exercito que formou para recuperar o seu reino. mas em todas as batalhas, contra Napoleão, os vikings, king kong, aranhas gigantes, Voldemort, Dr. Doom e Magneto. só que todas essas batalhas acabavam que, para vencer, Pedrinho deveria subir até o topo da escada.

Pedrinho ficava muito frustrado com aquilo.
parecia que toda a sua vida o levava para o topo da escada.
parecia que tudo se resolveria se ele fosse até o topo da escada.

numa noite, Pedrinho refletia sobre tudo isso, deitado em sua cama. e achou que pensaria com mais clareza indo até o quintal, ficando de frente para a escada.

e quando chegou até lá, todo mundo estava no topo da escada.

todos eles sorriam e pareciam felizes. de um jeito ou de outro, pareciam que todos chamavam Pedrinho até lá.
e então, Pedrinho foi.
subiu toda a escada e chegou até o topo.
sorriu e deu o precioso passo que o levaria para o seu reino encantado.

e o fim, fica a seu critério.

os jornais não noticiariam que um menino de 10 anos simplesmente suicidou-se. para todos, Pedrinho foi fruto de um acidente, uma fatalidade. mas sua mãe não dormiria durante meses, se perguntando o porquê daquilo.

para Pedrinho, ele saiu voando, feliz, enfim ganhou sua liberdade e conseguiu viver aquilo que sempre quis.

o drama, a tragédia, a comédia, o romance, o suspense - todo o gênero de tudo, sempre fica a seu critério.



e a você, meu amor, fica a escolha de transformar isso em joia ou bijuteria.

4 comentários:

Anônimo disse...

O topo da escada é um tanto quanto na vida real, você sabe que precisa subir, mas deixa como está e fica aqui por baixo mesmo...

Marcelo R. Rezende disse...

Vê, que encanto esse texto. Tão bonito, tão singelo, junto de Beirut então, ah, que belo!

Beijaço!

Mariana Cotrim disse...

puta que o pariu. doeu na alma. melancolia sublime, verônica. voce é foda demais

Brunno Lopez disse...

A sua escrita sempre me soou forte em vários segmentos. Toda a construção é densa mas o ritmo cativante nos leva a decidir conhecer o final.
Nessa postagem em especial, eu não tenho como descrever o que li aqui, pois é grandioso demais para caber em qualquer lugar.
Tudo aqui funcionou com maestria, é impactante, é criativo, é necessário.
Obrigado pela leitura. De verdade.